Velório

          Recebi um telegrama. O carteiro entregou-o na minha mão, pediu para assinar o aviso de recebimento e saiu. Achei estranho porque, nesta era digital de email, Whatsapp e Facebook, alguém ainda manda um telegrama, devia ser algo muito importante. Abri-o e nele apenas uma mensagem simples: "O velório é às 19 horas na capela do cemitério do centro".
          Velório? De quem? Quem morreu?
          Telefonei para a minha esposa e ela não sabia de nada, não recebera email, mensagem ou telefonema de ninguém para avisar sobre qualquer morte. Nem da mãe dela ou da minha, ou das suas irmãs ou dos meus irmãos, ninguém sabia de nada.
          No trabalho, ninguém comentara de qualquer morte, entre continuar no meu trabalho maçante e certo, sempre no mesmo ritmo e persistência de formiga, decidi descobrir quem morrera e, após o expediente, fui ao cemitério do centro.
          Chegando, vi que a capela onde ocorria o velório estava muito cheia mas eu não conhecia as pessoas. Entrei e me aproximei do caixão. Ao olhar o defunto, reconheci o meu irmão. Fui tomado por um momento de pânico,  raiva e desespero ao vê-lo deitado no caixão, sem que eu soubesse antes. Eu sempre gostei muito do meu irmão e comecei a gritar, indignado com o mundo, dizendo que aquilo era um absurdo, que as pessoas tinham que me avisar antes e comecei a chorar por ele.
          Nesta hora, não sei se devido ao escarcéu que fiz, o meu irmão defunto abriu os olhos e se levantou olhando para as pessoas que não pareciam surpresas até que alguém começou a me falar que eu o havia abandonado, outros também começaram a dizer que o meu abandono o matava, que eu não lhe dava atenção e que eles, estranhos à minha família, utilizaram-se deste meio para me alertar e fazer com que eu desse mais valor para o meu irmão.
          E enquanto as pessoas falavam, eu via o rosto do meu irmão se transformar no meu rosto e o via transformar-se em mim e comecei a reconhecer aqueles estranhos, e vi que eles eram as pessoas que me conheciam do meu mundo cotidiano e que agora se surpreendiam com aquela transformação.
(31/05/2015)