O crítico passou pela banca da moça de apenas dezesseis anos que expunha seu pequeno livro ao lado de tantos outros escritores já mais tarimbados ou não. Pegou o livro e leu algumas páginas, identificando ali uma jovem que possuía um valor, algo de interessante, um certo talento para as palavras e começou a questioná-la sobre o que ela escrevia, sobre a foto da capa e o preço do livro enquanto fazia uma rápida leitura de uma página.
A menina explicou que ela via uma pessoa e sentia vontade de escrever sobre ela, falar alguma coisa, inventar uma história. A foto fora feita em Paris, França, durante uma viagem de férias com os pais. Aliás, naquele momento, os pais não estavam ali.
Após ler um pouco o livro, o crítico, identificando o potencial da menina, com a finalidade de ajudar a produzir textos mais interessantes, disse-lhe, muito secamente e direto, como era de seu jeito:
_ Você tem talento e tem potencial, mas os seus textos ainda estão muito superficiais, não sei se era esta a sua intenção, mas precisa aprofundar mais na vida dos seus personagens. colocar mais emoção, mais vida nestes textos. Continue escrevendo, você tem talento.
Dizendo isto, saiu de perto.
Alguns minutos depois, enquanto o crítico conversava com um amigo que encontrara na feira literária, chega o pai da moça, um homem branco de origem italiana, ligeiramente mais alto que o crítico, veio bufando e foi para cima do homem que ousou criticar o pequeno livro que a sua filha de dezesseis anos escreveu com as observações que reunira ao longo de alguns meses. Livro bancado pelo pai, este tomou as dores da menina ao vê-la chorando e foi tirar satisfação na mesma hora.
E o homem disse de forma bastante alterada.
_ Você fez a minha filha chorar, não se aproxime mais dela
Não muito calmo, mas se esforçando para manter a tranquilidade e não meter um soco na fuça do sujeito, afinal, somos civilizados e não havia motivo ainda para isso, a não ser a maneira agressiva com fora abordado, o crítico lhe disse:
_ Não era esta a minha intenção, era apenas contribuir para que ela melhorasse no que ela escreve.
_ Mas ela está chorando, você fez mau para ela.
Percebendo que a emoção do pai superava o limite da racionalidade e que o mesmo vinha disposto a briga, descontando no crítico, talvez algumas frustrações da própria vida, talvez a raiva de ver que alguém fez a filha adorada chorar, o crítico chamou o homem para um pouco mais longe da menina com a intenção de sair da aglomeração de pessoas:
_Senhor, sua filha tem talento e precisa melhorar, desculpe-me se a ofendi mas ela vai encontrar críticas durante a vida inteira e ela precisa aprender a lidar com isso.
_ Eu sei, mas mantenha distância da minha filha. Não quero que você chegue perto dela.
_ Sem problemas, senhor, prometo-lhe que nunca mais chegarei perto da sua filha, pode ficar tranquilo.
O crítico se retirou por uns instantes e foi até o banco da praça para assimilar o que tinha acontecido. Ele tinha esta atitude de refletir depois de ser criticado.
Ficou pensando no que havia falado para a moça, refletiu se teria sido assim tão rude com ela e tentou colocar-se no lugar de uma menina querendo escrever. Compreendeu que havia sido rude sim pois não podia esperar que uma criança pudesse compreender a complexidade da alma humana, e ainda despejar esta compreensão em textos ainda infantis que ela pôs no papel.
Por outro lado, ele se dispôs a ler aqueles textos e encontrou alguma coisa de valor no estilo, na forma, no jeito e na intenção, e ele não falou para ela com a finalidade de magoá-la, ao contrário, queria dizer que ela precisava continuar escrevendo. E pensou que pesará a mão.
Calculou que umas quinhentas pessoas passaram por ali e ninguém parava para ler os livros da menina e que os dez livros que ela trouxera continuavam em cima da mesa, ninguém comprava e, possivelmente, as pessoas chegavam, falavam que ela era uma mocinha linda e que devia continuar escrevendo porque era importante e porque achavam uma gracinha tão novinha e com livro publicado.
Será que ninguém dizia a verdade para ela? Talvez ele devesse ter feito a mesma coisa. Assim ela ia embora feliz porque participou e, sentindo que as pessoas não a criticaram, ficaria achando que era um talento a ser descoberto. Ele, talvez, foi o primeiro a se preocupar com ela, a parar para ler e dar uma opinião sincera sobre aquele trabalho.
Pensou também naquele pai e desconfiou que ela fosse filha única porque a mãe também estava lá e não havia mais ninguém da família. Ávido por dar o melhor para a filha querida, além de férias internacionais, intercâmbio e outros luxos, dera-lhe também a impressão do livro sem pensar em conversar com ela sobre o que significaria expôr-se ao mundo. O pai devia sentir co-autor do livro e, carente de conhecimento literário, não disse para a filha o mais óbvio: que ela deveria pedir a opinião de outras pessoas antes de publicar.
Agora, por não ter compreendido a situação havia um crítico chateado por ter pesado demais a mão no comentário, um pai bravo louco para dar uma surra no crítico, uma mãe indignada com aquele homem asqueroso que ousou falar mau do livro da sua filha querida e uma menina com talento que talvez nunca mais escreveria nada com medo de ser criticada novamente.
Palavras são terríveis, podem causar muita confusão, pensou o crítico.
Alguns anos depois chega às mãos do crítico um texto muito bem escrito, bem elaborado que merecia até ser publicado no site e na revista cultural onde ele era o editor.
Depois de ler o texto, ele olhou o nome e tentou lembrar-se de onde o conhecia, digitou no computador e veio a foto de uma bela moça, imediatamente lembrou-se e, principalmente, daquele pai bravo. Será que ele ainda a protegia dos lobos que queriam devorá-la? Será que ele já batera em alguém que falou mau fã filha?
Aquele era um bom momento para se vingar daquele pai. Ignorar o texto dela para ver se ela procurava outra pessoa. Mas ela tinha talento como ele intuira naquela tarde e, pelo jeito, sua crítica dera resultado.
E ele ficou um bom tempo pensando sobre o que fazer. Três meses depois chega um e-mail da moça perguntando se ele recebera o texto e se o havia lido. Agora ele se via na obrigação de responder.