Detalhe

          - Onde você vai, Camilo?
          - Surpresa.
         Desviou pelo Anel Viário e subiu a rua ao lado da Rodovia Dutra e entrou no motel que fica ali.
          - Eu não estou preparada para vir ao motel, você não me disse nada antes! Não quero ir, não vamos fazer nada!
          - Relaxa, só quero ficar um pouquinho com você sem ninguém por perto, só nós dois, se não rolar nada não tem problema, a gente pode só tomar um banho de banheira, relaxar e depois ir embora.
          Sem muita opção, Cláudia não podia fazer muito. Não dava para pular do automóvel, poderia brigar e sair andando do motel, gritar, naquele momento, ficou com medo. Ele manobrou e estacionou na garagem do quarto, fechou o toldo. Ela não queria sair do carro.
          - Vamos lá, vamos só ficar conversando, vamos fazer o seguinte: você vai comigo e a gente fica conversando, eu entro sozinho na banheira e você só fica ali do meu lado, prometo que não vou te fazer nada!
          Depois de muita insistência e promessa e estando desconfortável no carro, ela aceitou subir com ele até o quarto. Discretamente, no momento que ele foi ao banheiro, ela destrancou a porta para ter a chance de correr se precisasse. Ali dentro, ele abriu as torneiras da banheira de hidromassagem, esperou encher, despiu-se e entrou.
          - Tem certeza de que você não quer entrar? A água está ótima!
          - Não, obrigada.
          Ele ficou em silêncio, fechou os olhos e ficou relaxando ou pensou que relaxava porque ela sentou-se na beira da cama, de onde podia observá-lo nu e excitado dentro da banheira. Camilo queria encontrar as palavras certas para perguntar a ela o que precisava ser perguntado. Depois de quase dez minutos em silêncio, aquele clima estranho entre os dois, ela sem entender nada do que ele queria ou do porque ele estava fazendo isso.
           - Cláudia, você tem alguma coisa para me contar? Algo só seu assim... algo mais íntimo que você precisaria me dizer?
          - Como assim?
          - Algo que teria a ver com o nosso relacionamento?
          - Onde você quer chegar? Você me trouxe aqui contra a minha vontade, eu não estou preparada para isso. Vamos embora. Me leva para casa!
          - Calma, meu amor.
          Camilo silenciou novamente, nos pensamentos, voltava o que vira durante o jantar com os amigos, ao observar de relance algo que lhe pareceu um estranho corpo entre as pernas de sua companheira, voltando à mente, após estranha visão, as várias situações anteriores em que ela não quis ou se recusou a ter intimidade com ele. Na hora, seu primeiro pensamento foi de que ela era transsexual ou hermafrodita, pois seria difícil acreditar que aquela mulher linda fosse um homem este tempo todo. Bonita, magra, com um rosto feminino, voz feminina sem qualquer disfarce nome feminino na identidade. As características eram todas femininas demais para ela ser um homem.
          Mas, aquele não era o momento de entrar numa discussão, conheciam-se há três meses, estavam saindo juntos há pouco mais de um mês, e, naquela hora, no meio de um restaurante relativamente cheio, com outras pessoas conhecidas, teve ele de engolir o desejo de passar tudo a limpo imediatamente e suportar eventual constrangimento para si ou para ela.
          E fosse um homem? O que ele faria? Aprendeu a gostar dela do jeito que ela era e descobrir, de repente, que ela era ele, isto estava revirando o seu cérebro. Será que mais alguém daquele grupo percebeu aquele corpo estranho?
          Mas a Cláudia parecia tão feliz ali no meio de todos que ele não quis fazer algo no restaurante, ele atuou bem como o namorado atencioso por fora, apesar de estar ensimesmado por dentro, revolvendo a lava vulcânica dos seus interiores. O tempo passava e só crescia a vontade de dizer algo para ela, quanto tempo ainda duraria aquele jantar? E aquele monte de situações se sobrepunham, coisas que ele percebeu, dificuldade de intimidade, alguns momentos que lhe vinham à mente de que ela parecia querer esconder alguma coisa, até a questão dela ser magra e de seios pequenos lhe veio como se fosse um sinal não percebido por ele.
          Voltou a relembrar o que viu, naquele segundo mínimo, em que ela estava mudando de lugar, ele estava de frente a ela, que precisou se mexer para sair de onde estava e ir para a outra cadeira e se descuidou, abrindo um pouco mais as pernas do que o costume e a decência puritana social permitiam, e ele desviou o olhar para as partes íntimas dela e percebeu um corpo estranho, uma pele a mais, algo que parecia escapar naquela região, percebeu que seu olhar demonstrou o assombro do susto, ela olhou de relance para ele, será que ela percebeu o que ele viu? Ela fechou imediatamente as pernas e continuou com a mesma alegria e desenvoltura que estava, se percebeu que ele viu, fingiu.
          O jantar acabou, os amigos se despediram, Cláudia e Camilo entraram no carro, ele dirigia, parou de beber o vinho há uma hora e meia, tomou bastante água neste intervalo, sentia-se bem. Mudou o caminho habitual e agora estavam ambos dentro do quarto do motel, em silêncio.
          Para ela, aquela situação era torturante. De certa forma se lembrava de outros dois namorados que tiveram e não aceitaram a sua situação. Seu defeito e nascença, se o que ela possuía podia ser chamado de defeito, incomodava-a demais, pensava numa cirurgia plástica para ter uma vagina normal, igual a de todas as outras mulheres e percebeu a estranheza dele no restaurante e sentiu-se muito constrangida, conseguiu fingir que nada havia acontecido, mas ela sentia que ele queria uma explicação. Foi surpreendida com a vinda ao motel, se pudesse ter escolhido, teria ido para casa e pensado em como conversar com ele sobre sua situação.
          Ela se deitou na cama, tensa, fechou os olhos e ficou pensando nas suas possibilidades, sair correndo pela porta, pegar o interfone e chamar alguém do motel, dizer que fora raptada seria muito forte? Correr lhe parecia uma ótima opção, ele estava nu e não iria atrás dela sem se vestir. Enquanto pensava, ela ouviu os ruídos que indicavam que ele saiu da água e estava se enxugando. Até que sentiu a mão dele tocando suavemente suas pernas, sentiu a língua beijando-a e vir subindo pelo corpo. A tensão subiu, ela não queria aquilo. A mão veio subindo pelos joelhos e chegou nas coxas, ela se virou de bruços ficou com suas partes mais íntimas contra a cama, a mão entrou por baixo da saia e tocou as suas nádegas, apertando-as, sentiu a boca e os beijos molhados nelas, fugir, ficar e enfrentar a situação, o que fazer?
          - Você disse que não faria nada...
          - Não estou fazendo...
          Ele pensava que estava convencendo-a a permitir a relação sexual, já que ela não queria conversar, também ele não soube perguntar o que desejava saber mas isso ele não conseguiu pensar, ele gostaria de saber até onde iria nesta situação e acreditou mesmo estar controlando e conquistando-a na tarefa de dar-lhe prazer e sentir prazer no sexo. Na cabeça dele, um misto de desejo, curiosidade, tesão, poder. Ele veio roçando o pênis intumescido pelo corpo da companheira até chegar nas nádegas, ao tentar tirar a calcinha, veio a joelhada forte no meio de suas pernas e a dor paralisante que o derrubou da cama, só teve tempo de gritar e ver a Cláudia pegando a bolsa e os sapatos e sair pela porta, ainda demorou alguns minutos para conseguir se levantar.
          Agora, no táxi que a levava para casa, Cláudia conseguia se acalmar dos momentos de desespero ao passar correndo pela portaria motel, subir pela rua deserta, atravessar o canteiro e subir correndo pela passarela da Via Dutra e a alegria de ver o último carro no ponto do Vale Sul Shopping. Não sabia como contar do seu problema para o namorado que talvez se tornasse mais um ex-namorado. Era hora de procurar ajuda.       




03 2019