_Todos os dias eu vejo muitas mortes. Faz parte do meu trabalho como policial civil. Sou investigador. Nós chegamos no local, tiramos dezenas de fotos, procuramos impressões digitais, conversamos com os vizinhos e com as pessoas que viram, ouviram ou desconfiaram de alguma coisa.
Todos os dias há muitas mortes neste país violento e, na maioria das vezes, eu quase não sinto emoção ao ver um cadáver estendido em uma rua da periferia. É diferente quando é uma criança. Sofro, penso que podia ser o meu filho.
Há menos de um ano aconteceu uma coisa estranha, talvez seja loucura minha por causa do estresse da profissão, fadiga do material humano. Tenho certeza duvidosa do que vi. O corpo estava lá no chão em nada diferente de tantos outros que eu vi na vida. A diferença era o cortejo fúnebre que se aproximou dele. Uma mulher pequena de um metro e cinquenta de altura, parda, vestida de preto com um estranho véu vermelho na cabeça. Atrás dela, como se fosse seu servo, um homem baixo de um metro de sessenta e cinco no máximo, com camisa e calça cáqui, sapatos marrons, também pardo, que trazia na mão uma coleira atada a um grande cachorro branco. Quando este estranho cortejo chegou a sete palmos do corpo, a mulher parou. O homem com o cachorro aproximou-se e estendeu a mão para o defunto. Eu vi que alguma coisa esbranquiçada saiu dele e voou até a mão do homem como se ele estivesse levando embora a essência daquela pessoa morta.
Eu sou um investigador de polícia, não acredito em fantasma e lembro do que a minha avó falava: a gente tem de ter medo dos vivos e não dos mortos. Eu não tenho medo dos mortos mas confesso que naquele dia os meus ossos gelaram.
Desde então eu já vi este cortejo estranho mais seis vezes e estou tentando estabelecer uma relação de causa e efeito. Eu já disse que talvez seja loucura minha, uma alucinação que só esteja na minha cabeça mas na última vez que eu vi este estranho cortejo, meu colega de trabalho estava de pé ao lado do corpo, virou-se para mim e perguntou se eu estava sentindo um corrente de ar gelada e foi na hora que eu vi o homem passando através dele como se ele nem estivesse lá. Aquilo me arrepiou e agora comecei a pensar que talvez não seja loucura minha.
Da primeira para a segunda visão passaram-se oito meses, da segunda para terceira, três meses, depois, três semanas, Três dias, e ontem foi a sexta vez que vi.
O psicólogo da polícia ouviu pacientemente o relato e depois perguntou:
_ Você já tentou comunicar-se com a mulher ou com o homem?
_ Na primeira vez eu tentei, chamei a mulher, chamei o homem e nenhum deles me atendeu. Um dos colegas peguntou com quem eu estava falando. Eu disse e ele afirmou que não havia ninguém ali. Olhei de volta e os três tinham desaparecido.
_ Você não deve estar bem, talvez estressado demais, peça umas férias.
_ Terei férias daqui a três meses.
_ Vou te dar uma semana de licença. Passeie um pouco, vá para a praia, descanse.
Ele aproveitou a semana para visitar os pais no sul de Minas, depois foi para Caraguatatuba para curtir uma praia com mais dois amigos.
Estava relaxado na cadeira de praia debaixo do guarda-sol, desestressado, sem pensar em trabalho, quando viu novamente aquele cortejo fúnebre pela sétima vez. Olhou pela praia para procurar qual era o morto e não viu, todos estavam vivos e aproveitando a praia.
Percebeu, enfim, que o cortejo vinha na sua direção.