Por ali por perto

          Eles viram aquele ser humano passar ali pela Avenida Nove de Julho e sentiram como se fosse uma afronta direta. Via-se, claramente, que aquele ser humano, se é que poderia assim ser chamado segundo os seus padrões, era um transgênero ou no mínimo um homossexual em primeiro grau, não tinha cara de mulher, não tinha cara de homem, usava aquelas roupas extravagantes demais para uma mulher e femininas demais para um homem, brinco na orelha, tatuagem de borboleta colorida na perna depilada, e aquela blusa caindo nos ombros que se expunham ora nus ora cobertos. Isso não era coisa de homem e eles sentiram raiva de ver aquele ser passar por ali no seu pedaço.
          Acabados de sair da academia, mau passava das cinco de uma tarde de quarta-feira de setembro, os dois rapazes altos e fortes que moravam por ali por perto mesmo e caminhavam para o prédio  entreolharam-se e, sem precisar falar nada, apenas com um leve movimento de cabeça apontando o rapaz franzino homossexual, resolveram interpelá-lo como se tivessem o direito de exigir que alguém que andasse por aquela rua precisasse da autorização deles para passar por ali.
          _Olha o gueizinho passando por aqui! O mulherzinha, aqui não é lugar para você andar não! Este bairro aqui é de macho, não é de viadinho!
          Sem compreender de início o que aqueles dois rapazes estavam falando com ele, mas calejado de tanto sofrer abusos de toda parte, o rapaz fez silêncio e preferia seguir seu caminho sem arrumar confusão, mesmo porque eram dois caras fortes. Mas eles não estavam satisfeitos e posicionaram-se um de cada lado dele.
          O rapaz só queria andar tranquilo pela rua, não estava fazendo mal nenhum para ninguém, não estava se expondo, queria só chegar no ponto de ônibus para ir para casa, tinha ido até o Parque Vicentina Aranha ver uns amigos, estava bem, se divertiu um pouco e precisava ir à aula ainda hoje e aparecem este dois brutamontes para incomodar. Ciente de que poderia ser pior, Jadinho, este era o nome que gostava de usar, enfiou a mão no bolso da calça, deixou o celular e segurou o estilete que sempre trazia para se defender. Era um destes estiletes grandes de papelaria, o suficiente para assustar e até machucar mas ele não queria usar. Era magro, não era forte, não era alto e só usava destes artifícios porque o abuso e a falta de respeito eram grandes.
          Os dois continuaram andando do lado dele e continuaram ofendendo o rapaz que, a esta altura, ficava sem saber se saía correndo, arriscando que eles viessem atrás, se falava alguma coisa, se tentava entrar em alguma loja ou em um bar, mas ele ainda estava do lado do muro do parque e o sinal da avenida estava aberto para os veículos. Resolveu falar.
          _ Por favor, só quero ir para a casa, me deixa em paz!
          Os dois começaram a ofender ainda mais:
          _ Que voz fininha e mole heim, gueizinho! Seu merdinha, só apanhando para aprender a ser homem!
          O rapaz estava perdendo a paciência com os insultos:
          _ Vai bater no seu pai, viado!
          Foi falar isso e ele tomou um tapa na orelha do cara à sua direita. Depois uma pancada na boca.
          _ Pra você aprender a não me xingar!
          O rapaz foi ao chão com a rasteira que o cara à esquerda lhe deu e e quase caiu de cara no chão. Levou um chute no estômago. Parecia que ia começar um espancamento, os dois rapazes estavam extremamente raivosos, loucos para bater no franzino, nisso, um taxista do ponto do Policlin que viu a cena de longe, chamou a polícia e correu até lá, antes, gritando para os colegas, avisando que tinha uns caras batendo num rapaz.
          _Vocês dois aí, parem com isso, covardia é essa aí, dois caras grandes batendo num rapazinho.
          _ Não se intromete não, ele é um viado e tem de apanhar!
          _ Vocês estão loucos? Parem com isso!
          O taxista chegou perto deles e os empurrou, gritando para que eles parassem, um mulher que passava ali começou a tomar partido e também falou para eles pararem. Mas os dois começaram a se voltar para o taxista e para a mulher.
          _ Que foi, o senhor vai encarar também?
          _ Ninguém quer brigar não, vocês começaram a bater nele sem motivo, eu vi, estava lá na esquina.
          _ Não é sem motivo, ele é guei, tem de apanhar para virar homem!
          A mulher interferiu, e também gritou com os dois, dizendo um monte de coisas, inclusive chamando-os de covardes porque eram fortes e grandes e não tinham que se meter com ninguém. Do outro lado da rua, uma moça começou a filmar a cena pelo celular. Vendo de longe, outro transeunte também começou a filmar.
          Um dos rapazes deu um soco no rosto do taxista, o outro empurrou a mulher que caiu na ciclovia e bateu a cabeça no chão, o sangue do ferimento manchou a sua roupa, o taxista perdeu a calma e meteu um soco no rapaz, o rapaz que sofrera as primeiras agressões, tirou o seu estilete do bolso, aproveitou a chance e enfiou com gosto na barriga no outro brutamontes, rapidamente, puxou o estilete e passou no braço do amigo dele, aproveitando para sair correndo, muitos transeuntes se reuniram e começaram a segurar as pessoas, um dos grandes correu atrás do moço que se enfiou no meio do trânsito, os carros começaram a parar e a buzinar, o grandão não viu e acabou se chocando na corrida com um dos carros e caiu na rua.
          Não se sabe de onde, três viaturas policiais estavam chegando ali, os homens desceram dos veículos e começaram a controlar a situação. A mulher, os dois rapazes e o taxista, foram todos para o Hospital da Vila Industrial, que era muito mais longe, mas era para onde os policiais os levaram, no pronto-atendimento ficaram olhando um para a cara do outro enquanto aguardavam vigiados. Depois iriam para a delegacia de polícia.
          O Jadinho fugiu, correu o mais que pode, e quando estava certo de que ninguém iria mais procurá-lo, tomou o ônibus e foi para a aula. Na outra semana, mudou o cabelo, arrumou um óculos escuros e continuou frequentando o parque.
          Os dois grandões estão respondendo o inquérito policial, mas os pais tens bons advogados e parece que vai acabar só com uma prestação de serviços comunitários. Até hoje continuam indo juntos na academia onde admiram os próprios músculos. Os seus e os dos outros. Ninguém os vê grudados mas dizem que não se largam.

19/09/2018