Despedida

          A última caixa de papelão contendo os seus pertences foi deixada pelo pai no canto do quarto alugado. O pai tirou uma semana de folga para vir com ela até aquela cidade e ajudá-la na mudança para iniciar a faculdade. Ele desceu a escada e voltou logo depois. Foi uma longa semana. Vieram de carro com colchão, roupas e um monte de caixas com coisas que ela julgava importante ter com ela naquele início de vida de estudante universitária. Universidade Federal, o sonho da família era a filha se formar. Encontraram aquele quarto para alugar no apartamento de cima de um sobradinho bonito, não era muito perto da faculdade, mas também não era longe. O preço era possível, tinha tudo arrumado, fogão, geladeira, internete e o mais importante, cada um tinha seu quarto naquela república.
          O pai voltou, subir a escada e a encontrou no quarto, tirou a carteira do bolso e retirou uma boa quantia de dinheiro e entregou na mão da filha.
         - Isso aqui é para você passar o mês. Todo mês eu deposito o dinheiro para você pagar as contas, se faltar, por favor, me avise.
         - Obrigado, pai.
         - Eu tenho que ir embora.
          Ela viu os olhos dele cheios de lágrimas, sentiu o pesar no rosto dele, percebeu que ele não ia resistir, logo o pai, sempre tão forte, sempre tão grande, que parecia não ter medo de nada, agora estava na sua frente, quase chorando porque precisava voltar. Ela também começou a chorar.
          Aquela semana foi cheia de trabalho, vieram de viagem, arrumaram as coisas, passearam pela cidade, fizeram compras, conheceram alguns dos colegas de república, conversaram muito sobre a vida, sobre o futuro dela, conversaram como nunca antes tinham conversado. O pai falou de quando ele fez faculdade na cidade deles, faculdade paga, seu sonho era ter feito uma federal mas o pai não podia bancá-lo e ele não teve coragem suficiente para encarar a tarefa. Ele se lembrou de quando ela nasceu, de vários momentos de criança, até das discussões de adolescente, coisas recentes que estavam ficando para trás a partir daquele momento.
          - Eu não queria ir embora, para mim é muito difícil deixar você aqui sozinha, você acabou de fazer dezoito anos.
          - Eu vou ficar bem, pai!
          - Eu quero ficar aqui com você, não vou aguentar ficar longe de você! Eu te amo tanto!
          Era a primeira vez que ela ouvia ele dizer isso. Ela chorou.
          Ele soluçava, chorava feito criança. Ela também.
          - Eu sei que eu preciso ir, se eu não for, você não vai crescer, não vai viver a vida que você precisa viver, não vai aprender o que precisa aprender.
          Abraçaram-se e choraram muito. Ela era pequena e sentia o grande corpo do pai a envolvendo, protegendo-a uma última vez, aquecendo-a. Depois de um longo tempo em silêncio, ele a soltou, foi até o banheiro, pegou um pouco de papel, assoou o nariz, lavou o rosto, enxugou.
         - Tchau, estou saindo. Deus te abençoe!
         - Tchau, pai.
         Ele deu um último abraço, já estava refeito, já era de novo aquele homem grande e forte.
         - Se precisar de alguma coisa, telefona, manda mensagem.
         - Tá bom, pai.
         Virou-se e desceu a escada. Ela ouviu o barulho do carro saindo. Agora estava por sua própria conta. Sozinha para viver a vida universitária. Estudar, conhecer gente nova, divertir-se. A primeira coisa que quis foi se deitar na cama e descansar. Ficou pensando no futuro, no passado, nos pais, nos irmãos, no namoro que acabou, nos namoros que viriam.
          O pai, coitado, retornou chorando a viagem toda. Eram vinte horas de carro se fosse direto. Fez metade do caminho, pousou numa cidade um pouco maior e depois seguiu em frente. Tinha de deixar a filha para que ela se cuidasse no mundo. Até ali tinha cuidado dela, agora, não dava mais. E rezou muito, o tempo todo, toda a viagem, pela sua filha, para que ela fizesse as escolhas certas.