Foragido


            Os repórteres de todos os grandes jornais brasileiros se aglomeravam no gramado em que o presidente da República daria uma entrevista coletiva sobre diversos problemas eternos que afligiam o país, era a questão da reforma agrária, o problema da dívida externa e o crescimento econômico, mas, naquele dia havia um assunto especial: o sumiço do juiz acusado de ser o mentor do desvio de verbas do prédio do TRT de São Paulo.
Na sombra dos ipês e sibipirunas do jardim, instalaram o microfone e os repórteres começaram a sabatinar o presidente que respondeu a todos com a eficiência e a correção que se esperava do chefe do estado.
Um repórter:
_ Presidente, quê atitude Vossa Excelência tomou a respeito do sumiço do juiz?
O Presidente:
_ Já conversei com o chefe da Polícia Federal que está atuando em  conjunto com a Interpol, acredito que, em breve, este juiz será capturado. E nós faremos, através da justiça brasileira, com que ele devolva cada centavo desviado, se o seu envolvimento ficar provado, por que eu não posso admitir que estas coisas aconteçam enquanto há milhões de brasileiros que não têm acesso à justiça,  passando fome e necessidades. O meu governo prima pelo cumprimento da lei e da ordem neste país e ninguém está acima da lei. Nós iremos capturá-lo e processá-lo e, se for o caso, levá-lo a cumprir os anos de cadeia necessários.
O presidente sabia que ele não podia fazer mais do que pedir mais ação da Polícia Federal, pois cabia à justiça, através dos promotores públicos, processar o juiz foragido, e aquele era o assunto do momento, pois a imprensa não parava de mostrar os desmandos que ocorreram e de perguntar onde está o juiz. O presidente não agüentava mais tamanha cobrança e ele nada podia fazer senão cobrar também.
Até o senador reuniu-se com o Presidente da República para pedir decisões mais enérgicas, também cobradas pelos deputados da oposição. Mas ninguém conseguia encontrar o tal juiz, parecia ter-se evaporado, na sua casa de um milhão de dólares, seus filhos diziam que nunca mais viram ou ouviram o pai e que o único contato que lhes restava era através de um endereço eletrônico que juiz utilizava eventualmente para dizer que estava tudo bem com ele. Todo mês eles recebiam o débito bancário que o pai depositava de algum lugar que eles não sabiam. A mulher do juiz nunca mais saiu de casa e mandava os empregados para comprar tudo o que a casa necessitava.
Desconfiava-se que ele pudesse estar nas Ilhas Cayman, protegido pelo anonimato e pelo sigilo bancário, mas a Interpol não encontrara nenhuma pista dele. O Brasil inteiro era vasculhado e, por não o encontrar, o Brasil inteiro era esculhambado pela imprensa, onde estaria o maior ladrão do país?
O presidente mandou procurar em tudo quanto é canto, de sua cadeira no palácio, esbravejava para os coronéis da polícia:
_ Agarrem este homem, estou passando a maior vergonha do mundo, todos estão fazendo pilhéria da situação, falam que ele circulava livremente por Brasília inteira antigamente e, agora, está sumido, agarrem este homem!
O maior amigo do presidente, que também era o ministro mais influente do governo, convidou-o para passar um fim de semana na sua chácara.
Lá na chácara, longe de tudo e de todos, o presidente comentou com o ministro:
_ E aí, quanto temos lá nas ilhas Cayman?
_ Trezentos e setenta milhões de dólares.
_ Não vejo a hora de acabar este mandato e sumir deste país.
_ Somos dois, então.
_ E o nosso amigo, o juiz?
_ Tranqüilo, tranqüilo. Não sai nem para ver se faz sol ou chuva.
_ Nem pode, nem pode. Se o pegarem, estaremos fritos.
_ Mas ele quer cinqüenta por cento, disse que, se no fim do mandato, não receber, manda a mulher e os filhos abrirem o bico.
_ Pague os cinqüenta por cento, até o fim do mandato a gente ganha mais! Só tem uma coisa, dá uns cascudos nele por mim!
_ Então, tudo bem.
O ministro se levantou, foi até um quarto da mansão, abriu a porta. O juiz foragido encontrava-se deitado na cama, algemado a grossas correntes, vendo televisão.
_ Aí, juiz sortudo! O homem concordou, vinte e cinco por cento para você!
_ Graças a Deus, quanto tempo ainda fico aqui?
_ Dois anos.
_ Pode me fazer um favor?
_ Claro.
_ Põe uma tevê por assinatura com um canal da Playboy prá mim.
_ Certo, amanhã estará aqui. Ah, não posso me esquecer.
O ministro deu uns cascudos no juiz.
_ Por quê isso?
_ Ordens, apenas ordens!