Estranho Passageiro

      Chovia fraco naquela noite em que o ônibus fazia a última viagem até a Represa, tendo saído do Terminal Central à meia-noite. Pedrão conduzia com cuidado na estrada de terra Jucá de Carvalho. No circular apenas cinco pessoas, Pedrão era o motorista, Zé Luis, o cobrador, uma senhora chegando nos seus sessenta anos mas tão machucada pelo tempo que aparentava quase setenta, um rapaz e um senhor.
     No ponto de ônibus, um passageiro vestido com um belo terno preto e camisa branca contrastava com o local, com o tempo chuvoso e com o horário, quem haveria de andar trajado daquele jeito numa estrada de terra a aquela hora? De qualquer forma, ele deu sinal e o Pedrão parou o veículo, o homem, aparentando uns trinta e poucos anos entrou, cumprimentou o motorista com um "boa noite" fraco, passou pela catraca apresentando uma nota de cinco reais, colocou o troco no bolso e sentou-se num banco logo à frente da porta de saída do meio.
     O circular seguia lento. Zé Luis percebeu que a barra da calça do homem estava seca e o sapato não apresentava qualquer sinal de barro. 
     Muitas vezes, o cobrador ia conversando com os passageiros mais contumazes, ou com o motorista, principalmente neste horário com o coletivo quase vazio. O homem não se manifestava. 
      No ponto seguinte entraram dois rapazes de boné, bermuda de surfista, chinelos de dedos, subiram anunciando o assalto, tinham um revólver, mandaram o motorista não parar o ônibus, ir seguindo porque eles iam descer logo, pegaram o pouco dinheiro do caixa do cobrador, menos de trinta reais, tomaram o celular de um dos passageiros, desprezaram o celular da senhora porque era muito velho e chegaram no passageiro de terno.
     _ Passa o dinheiro aí, rápido, vamos logo! - gritou o mais baixo, com cerca de um e sessenta e cinco para o homem que nem se mexeu, nem se manifestou e nem olhou para o assaltante. Nervoso, ele ordenou de novo e o homem apenas olhou para ele e fez um gesto dizendo que não lhe daria nada e mandando-o afastar-se.
     O assaltante perdeu a paciência e o cutucou com o cano do revólver gritando que ia atirar, colocou a arma na testa do homem, que continuou olhando o vazio como se nada estivesse acontecendo. O assaltante empurrou a cabeça dele com o revólver, o homem, num gesto muito rápido, empurrou o revólver para o lado e o rapaz apertou o gatilho. 
     A bala deveria ter estraçalhado o crânio do homem. A verdade é que ela simplesmente atravessou pela cabeça dele sem lhe fazer qualquer dano e perfurou a chapa do ônibus. O homem se levantou,  era maior que o assaltante, olhou bem nos olhos do rapaz e este desmaiou. O comparsa dele, que não tinha arma mas era bem ágil, correu para tentar pegar o revólver e não teve tempo, o homem só encostou a mão no peito dele para derrubá-lo também.
     Na frente dos cinco outros ocupantes do ônibus, o homem desapareceu. Era exatamente meia-noite e meia. Com os bandidos desmaiados, cada um pegou de volta os seus pertences, o cobrador recuperou o dinheiro do caixa, ele e o motorista decidiram que não iam dar queixa na polícia, pararam no ponto final, retiraram os dois homens e os deixaram sentados e desmaiados no banco do ponto e saíram dali.
     Comentavam entre si sobre o ocorrido quando o ônibus voltava para o ponto inicial. Um homem aguardava no ponto, estava escuro mas o motorista conseguiu ver que ele deu sinal para o veículo. 
     Ao entrar, perceberam que era o mesmo homem que subira anteriormente. Eles ficaram surpresos e lhe perguntaram o que tinha acontecido.
      O homem não entendia o que eles queriam saber, disse apenas que não sabia de nada, que não tinha acontecido nada, eles lhe falaram dos ladrões, ele continuou negando, disse que era a primeira vez que pegava o coletivo naquele lugar, não podia ser ele e que o estavam confundindo com alguém.
      O resto da viagem foi todo em silêncio. O cobrador olhou para a barra da calça do homem, estava completamente seca,  e o sapato, apesar da estrada de terra e da chuva, estava seco e brilhante, e o cobrador tinha certeza de que ele não pisava, flutuava.
      Pedrão não quis falar nada mas, quando olhava pelo espelho naquela hora do tiro, tinha certeza de que tinha visto umas asas gigantes que bateram muito rápidas nas costas daquele homem antes dele desaparecer. Mas o espelho era pequeno e tudo aconteceu muito rápido.